terça-feira, 25 de agosto de 2015

Relações inconsistentes

por Tais Martins


E será inútil esforçar-se para esquecer - tudo o que um dia se misturou carregará consigo partículas do outro. Talvez venha o arrependimento, o recomeço, as cores voltem a brilhar como antes - mas não se pode contar com isso. Não se pode contar com nada. O único caminho viável é viver e correr o sagrado risco do acaso. E substituir o destino pela probabilidade. Clarice Lispector


Lá vai a minha alma fugidia. Buscando entre as formas de vida um alento para essa intensa e aguda ausência que a minha alma incolor teima em sentir. Meus olhos sempre enganados com o arco-íris. Anseio uma felicidade multicolorida que embeleza o céu, mas não se imprime na pele. Deixo as cinzas do passado estagnadas, pois enquanto elas estiverem quietas, eu sigo isenta e firme, perdida entre desejos e frustrações emocionais. Convivo com estátuas que não representam mais do que uma imagem de pedra e sigilo.

Sussurrante. O temor segue a minha sombra. Contemplo a vasta extensão das histórias que vivi. Um longo tempo transcorreu entre lucidez e a ausência dela. Costumo amar as máscaras do nada. Vagueio pelos despenhadeiros das emoções sem ter nenhuma certeza se chegarei ao final da jornada com o espírito incólume. A cabeça vai girando e em poucos minutos vejo os fragmentos do que desejei espalhados por outras mãos. Meu temor enfrentou vórtices imensos com a rapidez de morte.

Enfrentei quedas vertiginosas. Corpo e emoções separados por redemoinhos. Sou o anjo que morre nas próprias asas. Os carinhos e as afeições terminam traiçoeiros. Deploravelmente resto curvada sobre cicatrizes que não escolhi amealhar. A matiz negra do nanquim combina com o vazio que acena nas minhas veias sobrecarregadas. Meu grito resta encarcerado no papel. Sou um artista fracassado. Que sem poder representar o personagem favorito. Resolve por bem escrever as cenas áridas e estéreis da sua vida.

Há quem conquiste por capricho. Escolhe a alma que deseja catequizar. Propicia engodos elaborados. Nomina promessas de superfície. O coração antes fértil se rende as turbulências da solidão. A pele se rende as carícias e à doçura do nome repetido no abismo de enganos que insiste em mergulhar. Ocasionalmente a lucidez convida a desistir, mas etérea como as nuvens que enfeitam a imagem o sol eu queria experimentar a chuva. Momentos de calor e frio entre abraços e despedidas.

Mesmo nas tormentas o manto pesado da água conduz a surdez temporária. Vez por outra é preciso um silêncio das falas alheias. Comungar as ilusões clássicas dos romances encenados nas outras vidas. A felicidade é um convite para dançar. Dependemos da música e de um par que possa suportar os movimentos. Um acontecimento singular entre inferno e paraíso. O efêmero tem o seu encanto. A vida se conjuga em passagens e a única situação  concreta é a mudança. Só o que está morto é definitivo.

A multiplicidade dos desejos nos conduz as armadilhas do tempo. Temos uma carne de alabastro e desejamos momentos de eternidade. Palavras austeras que gravam na esperança o amargor do fracasso. Conjugamos relações inconsistentes como as sedas rasgadas que um dia foram cortinas e hoje são retalhos. Não há como recosturá-las é preciso substituí-las por outras ou permitir que todos vejam quem somos. Nada se repete, pois a cada dia o mesmo sol traz para o céu um brilho único...

Outros são os caminhos em que a vida permeia um nicho escuro. Momentos de primorosa alegria e nuances de lágrimas. O tempo usa seus artifícios para nos entreter no curso melancólico dos amores fictícios. Espíritos sequiosos e corações diligentes são levados placidamente como vencedores e vencidos. Numa batalha que ocorre silenciosa nos rincões desconhecidos dos desejos emocionais. Pensando nos acontecimentos passados como crianças vislumbramos que alguns nascem reis e outros mendigos...

Para nenhum de nós e dado conhecer todos os mistérios da vontade. O transcorrer dos anos não nos premia com nenhum vívido deleite. Durante os anos iniciais dos namoros, noivados e casamentos presenciamos entregas magistrais. No entanto a mágica melodia das doces palavras e dos efusivos encontros resta transformada em silêncio e esperas vazias. Uma conquista arrebatadora é aquela que vence o passar dos anos sem fenecer...

Desse modo excursionamos por abraços, palavras, flores e jantares. Na expectativa de uma novidade diante do vazio já conhecido. Com o coração pesado nos aventuramos e perdoamos as nossas antigas fotografias. Para ser sincera essas pausas me deixam desconcertada. Sinto que a coragem é uma bijuteria antiga que ainda relembra o ouro que existiu entre os meus dedos. No entanto o amor e as alianças nem sempre combinaram com as minhas vestimentas. Estou despida do que fui e adestrada para tentar ser...

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